Selecionados: conheça a história do atacante que joga no Santos graças a uma mentira da mãe
A partir desta segunda-feira (28), você acompanhará uma sequência de reportagens especiais sobre os jogadores convocados para a Seleção Brasileira que irão disputar o Mundial Sub-17 no Chile. A competição acontecerá entre os meses de outubro e novembro. Todos os dias, até 17 de outubro, data da estreia da equipe canarinho, uma história diferente será contada.
Estamos falando da série “SELECIONADOS“, onde o Portal DaBase irá mostrar um pouco mais da vida de cada um destes garotos que sonham ter sucesso no futebol. E o selecionado para abrir a série não poderia deixar de ser especial: Arthur Gomes Lourenço, atacante do Santos, que só por jogar aonde joga e na posição que escolheu, já carrega a pressão de ter que dar certo, mas se engana quem pensa que isso atrapalha o jovem, nascido em 1998.
Infância
Arthur tinha quatro anos quando a Seleção Brasileira comemorou o pentacampeonato mundial. Pouco entendia da conquista do time de Felipão. Mas, foi com a mesma idade que descobriu o que queria para a vida: ser feliz com a bola no pé. Natural de Uberlândia, cidade mineira com pouco mais de 500 mil habitantes, ele deu seus primeiros passos na carreira. E mesmo muito novo, Arthur sempre foi visto como diferenciado, seja na grama, no barro ou no asfalto.
“Sempre joguei bola na rua, desde pequeno. Comecei a jogar com quatro anos de idade, com meus irmãos e meus amigos. Sempre joguei com os caras que eram dois, três anos mais velhos do que eu. Nunca com os meninos da minha idade. Desde pequeno, já era conhecido na minha cidade por ter um bom futebol. Falavam que eu jogava muito, que ia virar craque. E eu sempre tive essa paixão pelo futebol. Não tinha muito brinquedo, porque o único que eu gostava mesmo era a bola”, conta.
Começo no futebol e passagem pelo São Paulo
Não demorou muito até que Arthur integrasse a equipe do Poliesportivo, pequeno clube da cidade. As boas exibições logo o credenciaram a dar um passo adiante e o atacante, que nunca jogou em outra posição, foi parar no Uberlândia Esporte, agremiação com mais notoriedade no meio futebolístico da região. Mas ainda era pouco para o talento que deixava qualquer um impressionado: quis o destino que Arthur fosse um menino da Vila, mesmo que antes ele tivesse que passar pelo rival São Paulo e, por vontade própria, deixar o Tricolor dois anos depois.
“Eu nasci em 98, mas sempre joguei com os meninos de 96 no Uberlândia. Aí, em um certo dia de treino, tinha um olheiro do São Paulo lá, que foi para ver outro menino, que já estava indo para o São Paulo de mês em mês. Ele perguntou a esse menino quem eu era, por ter visto alguma coisa de diferente em mim. Durante a noite esse cara apareceu lá em casa. Eu até estranhei, pensei: ‘esse cara deve estar me seguindo’ (risos). Ele disse que queria conversar com a minha mãe. Eles conversaram e eu fui parar no São Paulo. Quando cheguei lá, treinei bem e passei no teste. Eles me ligaram avisando que eu tinha passado, mas que era para retornar ao Uberlândia, porque não podia alojar ainda. Ia para o São Paulo uma vez por mês, ficava dez dias e só voltava depois de dois meses. Falava direto para a minha mãe: ‘não estou gostando daqui’… Era muito preso, não podia sair para fazer nada e dava saudade de casa. Minha mãe sempre falava: ‘estou com você filho, é o seu sonho, mas você tem que entender que é um clube grande e muitos gostariam de estar no seu lugar’. Mas quando ela viu que eu não estava feliz, foi e ligou para o Santos”, revelou.
Chegada ao Santos
Nilda Maria Gomes. Guarde esse nome porque se teve alguém que foi crucial para a sequência da carreira de Arthur, foi ela. Depois de acertá-lo com o São Paulo, incentivar o filho e ainda abraçar a difícil decisão de tirá-lo do clube, Dona Nilda foi além. Para não passar pelo julgamento do Peixe, se passando por mais uma mãe que acredita ter gerado o melhor jogador do planeta, ela teve a ideia de ligar para o clube fingindo não ser a mãe de Arthur.
“A história no Santos foi engraçada: ela ligou e falou, na época com o Bebeto, que era o supervisor, sem dizer que era a minha mãe. Ela disse: ‘olha, tem um menino aqui na rua que joga muito. Ele precisa arrumar um teste aí porque a família dele não tem condições e eu estou querendo ajudar esse garoto’. No começo, o cara não deu muita bola, deve ter falado ‘essa mulher está doida’, mas minha mãe persistiu, até que conseguiu o teste. Aí, fomos. Mas, no primeiro dia já era amistoso. Eu treinei, não tinha nem almoçado, porque tinha acabado de chegar de viagem. Estava de mala e tudo no vestiário. Me troquei e fui direto. Foram três tempos. Os moleques do time jogaram o primeiro e o segundo. Eu entrei no terceiro e na minha primeira jogada fiz um gol. Na segunda, peguei a bola e fui para cima do zagueiro, pedalei (risos)… Aí o cara já virou para a minha mãe e falou: ‘ele não precisa fazer mais nada para ser aprovado, é de garoto assim que o Santos precisa’. Falou desse jeito, mas a minha mãe não queria me falar que eu já tinha passado, porque ela queria que eu terminasse a semana bem nos testes. Eu fui, treinei e na primeira semana já tinham me colocado para treinar com o time 97, uma categoria acima. No final da semana eu fiquei sabendo que passei. Minha mãe me disse que já sabia desde o primeiro dia, mas não queria contar para não deixar subir à minha cabeça. Ficamos ‘felizões’. Graças a Deus, está tudo dando certo e estamos na luta até hoje”, ressalta.
Começo difícil
Recém-chegado ao Peixe, com 12 anos, Arthur ainda era um menino tímido e via em Dona Nilda seu porto seguro. Mesmo com alimentação e alojamento assegurados no CT Rei Pelé, o promissor atacante não queria sair do lado da mãe, que chegou a deixar de comprar o almoço dela para garantir o do filho e precisou trabalhar com serviços gerais em troca de um quarto em uma pousada. Tudo sem deixar que ele soubesse da necessidade do dinheiro.
“No começo foi bem difícil. Eu morava em uma pousada com minha mãe. Na verdade, viemos eu e a minha mãe no começo, mas depois meus irmãos vieram também. Ficamos seis meses em uma pousada, morando, depois conseguimos alugar um apartamento, mas antes disso, a gente ficava em uma pousada e, para a gente continuar nela, minha mãe limpava o banheiro, fazia comida… Até que o dono da pousada acabou virando amigo da nossa família. A minha mãe pagava, mas ele acabou fazendo um bom desconto, porque sabia da nossa luta, conheceu a nossa história. No início, eu não gostava de almoçar na Vila porque eu tinha acabado de chegar e era tímido, então minha mãe pagava comida para mim numa padaria, mas só que quando ela não tinha dinheiro, ela falava: ‘meu filho, vai comer na Vila’. Ela não queria falar que não tinha dinheiro. Eu falava ‘não mãe, não quero comer lá, quero comer aqui’… Ela aceitava. Como a salada era de graça, ela só comia a salada para eu poder almoçar, porque só tinha dinheiro para uma comida. Foi ela quem sempre batalhou pelos nossos sonhos”, revela.
Caçula de três irmãos, frutos de um relacionamento que hoje não existe mais, pois os pais são separados, Arthur via nos mais velhos, Caio e Júnior, seus exemplos em campo. Os dois irmãos também jogam, embora a oportunidade não tenha surgido da mesma forma até então. “As minhas inspirações no futebol eram eles. Sempre que eu via o meu irmão mais velho jogar no Poli, lá de Uberlândia, eu ficava na arquibancada e falava para os torcedores que aquele era o meu irmão. Ele era o melhor jogador da idade dele. Eu sempre me espelhei neles. O Caio tem 23, mas deu uma parada no futebol para cuidar dos meus negócios comigo. E o Juninho, o do meio, tem 20. Ele joga também. Agora ele está desempregado, mas logo, logo vai estar de volta”, prevê com entusiasmo.
Depois de receber do diretor a notícia de que já era um menino da Vila, a rotina mudou. Segundo o próprio jogador, o Santos é a sua segunda casa e, antes mesmo de ser aprovado no teste, ele já sabia disso. Arthur chegou a recusar ir para o Atlético-MG e o Cruzeiro, mais perto da cidade natal, para apostar na ideia de treinar todos os dias próximos a outros ídolos: Neymar e Robinho.
“Quando o meu irmão jogava no Atlético Mineiro, eles queriam me levar para lá. O Atlético e o Cruzeiro. Mas só que o Santos estava naquela fase, do Neymar e tal… Era um sonho para mim, porque é onde revelam grandes jogadores. Eu sempre via a reportagem do Santos, sempre acompanhei de perto, e quando eu cheguei, já sabia que era a minha casa. Me senti feliz. Quando vi a Vila Belmiro então (risos), não tem como não ficar, né? Neymar, Robinho e Pelé são meus ídolos no futebol. Não ví o Pelé jogar, mas vi o Neymar e o Robinho. Então, é uma alegria muito grande para mim jogar aqui. É um dos maiores clubes do país”, encanta-se.
Calmaria e conselhos de Neymar
Ótima relação com o grupo, apartamento alugado em Santos e almoço em casa todos os dias. Hoje, essa é a realidade de Arthur. Quando chega no Alvinegro Praiano, o dia a dia é de dedicação, dribles e gols. A relação com o elenco profissional ainda não é das mais íntimas, mas, apadrinhado por ninguém menos do que um cara chamado Neymar, a realidade pode mudar antes do imaginado.
“Sempre me relacionei bem com os companheiros no Santos. Hoje, eu não tenho uma relação próxima de alguém do profissional. Só quando vou treinar com eles, aí conversam comigo porque já me conhecem, mas não existe relação próxima. Quem me dá mais conselho é o Neymar pai, porque cuida de mim. Então, ele que me apadrinhava. E quando o Neymar (Jr.) jogava aqui, também já dava uns conselhos, só que mais de atacante mesmo”, lembra.
Sonhos
De acordo com Arthur, o tratamento com os companheiros da mesma categoria é igual, embora exista uma afinidade maior com o meia Guilherme, que já foi convocado ao lado do atacante. A notória humildade do camisa 7, aliás, é o que ele mesmo considera peça chave para o sucesso na profissão.
“Eu considero indispensável. A humildade é a palavra-chave para o sucesso. Você tendo humildade, o sucesso você já tem. É o meu maior valor”, avalia. Ao ser perguntado qual o maior sonho da sua vida, ele confessou querer algo pouco almejado entre os jogadores de futebol.
“Meu maior sonho na vida é ser um exemplo para os que estão ao meu redor. Ser um exemplo para o mundo. Ser um homem de caráter, um homem fiel e temente a Deus. Isso é o que eu quero na minha vida: ser um exemplo”, disse.
Quando o assunto é futebol, o objetivo é mais complexo, mas nada que não possa ser alcançado. “Quero ser um grande jogador profissional, deixar meu nome na história do futebol e ser o melhor jogador do mundo algum dia. Sonho jogar na Europa também. Escolher um clube é complicado, mas tem Chelsea, Barcelona, Real Madrid…”. Ídolos na vida? “Meus irmãos e a minha mãe, sem dúvidas”.
Seleção Brasileira
A coroação do bom desempenho com a camisa santista veio com a convocação para a Seleção Brasileira de base. Foi justamente na Sub-17 onde Arthur foi chamado pela primeira vez. O técnico Carlos Amadeu colocou o jogador na lista dos 23 atletas que irão para o Mundial da categoria, a ser disputado no Chile entre os meses de outubro e novembro. Questionado sobre o que espera da competição, ele disse querer dar um passo de cada vez: o primeiro é ficar na lista final, onde só constarão 21 nomes, e o segundo não é tão difícil de adivinhar.
“Minha expectativa é trazer esse título para o Brasil, fazer uma bela campanha e ajudar a minha equipe da melhor forma. Eu sou atacante, jogo pelos lados, mas faço gols também. Vou para cima, né? Como se diz na gíria do futebol, tem que ir para cima sempre”, diz aos risos.
Futuro
Para finalizar, Arthur mandou um recado para a torcida do Santos. Ao que parece, o torcedor pode esperar com entusiasmo, porque vem coisa boa por aí. “Eu pretendo ser um ídolo do Santos. O torcedor pode esperar isso de mim. Quero, antes de qualquer coisa, fazer história com a camisa do Santos e vou trabalhar muito para que isso aconteça. Dedicação podem ter certeza que não vai faltar”, garante.
Ficha técnica
Nome: Arthur Gomes Lourenço
Data de nascimento: 03/07/1998
Altura: 1,74m
Peso: 65 kg
Time: Santos-SP
Pé forte: direito