Técnico da Seleção Brasileira Sub-17 revela sonho profissional e faz análise do cargo no Brasil

Ele tem uma história diferente dos treinadores que fizeram sucesso no futebol nacional. Enquanto a maioria teve uma carreira longa e viraram ídolos em seus clubes, Carlos Amadeu Nascimento Lemos sequer teve a chance de fazer história, já que as lesões encurtaram (e muito) a sua carreira. O ex-lateral-esquerdo foi revelado pelo Bahia e chegou a fazer parte das Seleções Baiana Sub-20, em 1984 e profissional, em 1987, mas ele queria mais. O maior sonho do ex-jogador era representar o seu país como atleta, mas se o destino não quis que fosse dessa forma, graças às lesões que sofreu, coube a Amadeu chegar na Seleção Brasileira de outro modo: como técnico.

Contratado para comandar a equipe canarinho Sub-17 em maio deste ano, o técnico passou antes pelos times Sub-20 e Sub-17 do Vitória; Sub-16, Sub-17 e Sub-20 do Bahia, chegando a treinar os profissionais em algumas oportunidades. Amadeu se preparou para chegar onde está. Fez faculdade, especialização, foi campeão da Copa do Brasil Sub-20 com o Leão, em 2012, vice em 2014, colecionou títulos estaduais e de outras competições menos expressivas, mas o que sempre chamou a atenção foi a qualidade das equipes que monta. Em entrevista exclusiva ao Portal Da Base, ele falou sobre a responsabilidade de treinar um selecionado nacional, as diferenças, os objetivos e um pouco sobre a sua vida pessoal; confira!

Carlos Amadeu (Foto: Rafael Ribeiro/CBF)
Carlos Amadeu (Foto: Rafael Ribeiro/CBF)

DaBase: Dá para fazer um resumo da sua história no futebol?
Carlos Amadeu: Eu sou ex-atleta de futsal e de futebol profissional, formado pela base do Bahia, com passagem pelo Galícia. Joguei também pela Seleção Baiana Sub-20 (1984) e Seleção Baiana Profissional (1987), quando a CBF promovia o Campeonato Brasileiro de Seleções. Deixei o futebol de forma precoce, após uma série de contusões, culminando com uma fratura exposta, quando ainda tinha contrato em vigor com o Bahia, em outubro de 1988.

Concentrei minhas energias no Curso de Educação Física, pois tinha passado no vestibular em 1986. Após a formatura, voltei ao futebol como preparador físico do Sub-20 do Vitória, em 1990. No ano seguinte assumi o cargo de técnico da equipe Sub-17 do próprio Vitória (conquistando o primeiro título nacional do clube).

Trabalhei até 1995 no Vitória, contribuindo para a formação de atletas como Vampeta, Alex Alves, Paulo Isidoro, Fábio Costa e outros grandes atletas do futebol brasileiro. Depois, trabalhei seis anos no Bahia, passando pelo Sub-16, Sub-17, Sub-20 e pelo time profissional.

Voltei a ser convidado pelo Vitória, representado na figura de Epifânio Carneiro, em 2009, para dirigir a equipe Sub-20, onde permaneci até ser convidado pela CBF. Ao longo da carreira foram muitas conquistas, mas a maior de todas elas, sem dúvida, foi poder contribuir com a formação de grande homens e que, por consequência, vários se transformaram em atletas de alta performance.

Atuei também como professor de escola particular e Universidade.

DaBase: A Seleção sempre foi um sonho? Ou ser treinador do profissional era o maior objetivo?
Amadeu: Meu maior sonho era servir ao meu país como atleta, coisa que quase consigo quando era Sub 20, pois fui pré-selecionado na época em que jogava na categoria. Hoje meu grande objetivo é trabalhar e trabalhar muito, colaborando assim para o engrandecimento do nosso futebol, sempre com o sentimento de servir à minha nação.

Recentemente, Amadeu conquistou a Suwon Cup, na Coreia do Sul, com a Seleção Brasileira Sub-17 (Foto: reprodução/Instagram)
Recentemente, Amadeu conquistou a Suwon Cup, na Coreia do Sul, com a Seleção Brasileira Sub-17 (Foto: reprodução/Instagram)

DaBase: Quem é o Carlos Amadeu treinador e o ser humano? Tem muitas diferenças?
Amadeu: Uma pessoa simples, relativamente tímida, discreta, que não abre mão de alguns princípios e valores herdados da sua base familiar, e que não consegue dissociar essa mesma conduta no trabalho.

DaBase: O que você acha que foi fator preponderante para que fosse o escolhido para assumir a Seleção Sub-17 prestes a disputar um Mundial?
Amadeu: Tá aí uma pergunta que só o (Erasmo) Damiani (coordenador das Seleções de base da CBF) pode responder!

DaBase: Qual a estratégia para ter sucesso com tão pouco tempo de cargo?
Amadeu: Não se esconder atrás desse fato, “pouco tempo”, e focar realmente no que importa, que é agradecer a Deus pela oportunidade de estar vivo e com saúde para trabalhar muito.

DaBase: Acha que o Mundial pode ser um divisor de águas na sua carreira?
Amadeu: Sinceramente, não pensei sobre isso, e é o que geralmente faço, independente de onde esteja trabalhando. Procuro me dedicar ao máximo, fazer sempre o melhor que puder e ao final do ciclo poder andar de cabeça erguida e com a consciência tranquila de que fiz o meu melhor realmente.

DaBase: Você acha que sua permanência no cargo depende do desempenho no Mundial?
Amadeu: Não posso trabalhar pensando em situações que não controlo. Isso eu não controlo. O cargo pertence a CBF e eu estou ocupando esse cargo no momento.
As pessoas que fazem o futebol na CBF estão estudando bastante e sabem da importância de acreditar nas suas escolhas.

DaBase: Qual sua opinião sobre a instabilidade que o técnico brasileiro vive nos comandos de times e seleções?
Amadeu: Vivemos um momento de muitas reflexões no nosso futebol, necessitamos repensar alguns comportamentos para que possamos evoluir e esse ciclo vicioso da troca de treinadores não proporciona crescimento. As pessoas sempre citam o comportamento positivo dos times europeus, eu prefiro citar um case de sucesso bem próximo de nós, que é o voleibol brasileiro.

DaBase: O futebol de base no Brasil passa por reformulações conceituais e práticas. Como você tem vivido esse momento?
Amadeu: O momento é de muito trabalho, estamos todos escrevendo os procedimentos, norteando assim a nossa visão, desde o perfil de atletas até o modelo de jogo que a Seleção adotará. Tudo isso respeitando a essência do nosso futebol, porém com conceitos contemporâneos.

A ideia é deixar tudo sistematizado, registrado, documentado, facilitando assim o trabalho de quem nos suceder. Isso demanda tempo e o resultado virá. Esse será o legado desses profissionais que hoje trabalham na CBF.

Treinador tinha o sonho de representar o país como atleta (Foto: Rafael Ribeiro/CBF)
Treinador tinha o sonho de representar o país como atleta (Foto: Rafael Ribeiro/CBF)

DaBase: Qual a diferença de comandar um time e comandar uma seleção?
Amadeu: A Seleção representa um país, 200 milhões de torcedores e um time representa um estado, que divide a atenção do torcedor com outros times locais.
Um time você tem contato todos os dias com seus atletas, pode intervir na sua conduta dentro do treinamento. Uma Seleção você seleciona os melhores, mas seu poder de intervir diminui em função do tempo de convívio.

DaBase: O Brasil é enorme e temos uma grande quantidade de times e atletas de qualidade espalhados por aí. Como você faz esse filtro? É possível acompanhar todos os campeonatos da categoria pelo país?
Amadeu: O treinador tem que trabalhar sempre em equipe. Hoje temos um Coordenador de Captação e mais cinco scouting, além deles os três treinadores viajam e assistem toda semana aos jogos das categorias, conversam com os treinadores e coordenadores técnicos dos clubes.

Foi montado um software e um dos itens é um banco de dados com todas as informações pertinentes jogo a jogo. Essa ferramenta facilita a vida do técnico e cria um registro que facilitará os profissionais que venham nos substituir no futuro.

DaBase: Como é feita a integração das seleções de base do Brasil?
Amadeu: Temos nos reunido no escritório da CBF para conversarmos e entendermos o que cada um pensa (Dunga, Amadeu, Micale e Guilherme) a respeito do futebol, trocamos ideias e materiais didáticos também, agora estamos começando a documentar tudo o que juntos construímos.
Quando a Seleção Olímpica estava em período de preparação para os Jogos Pan-Americanos, eu acompanhei o trabalho de Micale, o Guilherme me acompanhou na viagem para a Coréia do Sul e na semana que antecedeu essa viagem. A ideia é que trabalhemos juntos, um auxiliando o outro.

DaBase: E o trabalho de transição base-profissional? Existe algo sendo feito também nas seleções?
Amadeu: Essa equipe foi concebida de forma integrada. Gilmar e Damiani trabalham juntos nesse processo, o departamento de scouting, coordenado pelo Paulo Xavier, serve ao futebol da CBF, ou seja, base e profissional.

Traçamos juntos o perfil de atletas que desejamos. Estamos contribuindo com o Dunga na Seleção Olímpica e Principal. Essa integração facilitará de forma natural essa transição.

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