Coordenador Marcus Lourenço esmiúça base rubro-negra
Marcus Lourenço atualmente é coordenador técnico do sub-06 ao sub-13, de futebol de campo e futsal do Clube de Regatas do Flamengo.
Em um bate-papo com o DaBase, o profissional falou sobre o início da carreira, sobre o que já viveu, o fatídico incêndio e palpita sobre a formação de jogadores no país. Confira a conversa na íntegra:
DB: Marcus Lourenço, como nossa conversa vai ficar baseada no futebol de campo, começa contando a sua relação com este esporte, desde moleque até os dias de hoje.
ML: Desde que me entendo por gente sou apaixonado por futebol. O primeiro jogo que eu fui na vida, meu pai me levou, eu tinha sete anos de idade. Sempre acompanhei. Tinha time de botão, fazia narração de jogo… E até os dias de hoje tenho uma relação muito forte com o futebol. Sigo acompanhando tudo o que é jogo: categoria de base, Série A, B de profissionais…
DB: Quem é Marcus Lourenço? Por onde passou desde que se tornou um profissional do futebol?
ML: Uma pessoa que começou cedo. Entrei na faculdade com 17 anos e antes de me formar eu já estava no futsal. Depois fui para o campo, já formado em Educação Física. Minha primeira oportunidade foi no America-RJ, em 1988, levado pelo Egnoel Roque. Lá comecei no sub-15, depois sub-17, sub-20 e cheguei a fazer dois jogos no profissional. Passei pelo Tio Sam, fui para o Botafogo em 2003 (no sub-13 e depois sub-15) e desde 2009 estou no Flamengo, indicado pelo então supervisor Antonio Jorge. Comecei no sub-13 e fiquei até 2010. Com a mudança de gestão passei a enveredar para o lado administrativo, encerrei a carreira de treinador e de 2013 a 2019 fui supervisor especificamente do sub-13, quando assumi a coordenação técnica de campo.
DB: Falando um pouco da sua história, por que você, depois de anos como treinador, passou a ser supervisor? E a nova mudança, para coordenador em setembro de 2019?
ML: Foi um processo natural. Eu vinha há quase 30 anos como treinador e quando aceitei o convite para ser o supervisor do projeto de captação do clube, gostei e resolvi investir nisso. Em 2016, a pedido da direção, fiz a transição do futsal para o campo. E agora a coordenação, outra função que gosto muito de exercer.
DB: Na função que você exerce, quem é a sua inspiração? E quando treinador? Aliás, qual a sua filosofia de jogo preferida?
ML: A gente vai observando a conduta das pessoas no futebol e vai pegando um pouquinho de cada um, mas não tenho uma fonte inspirada na minha função. Como treinador, Ivo Wortmann. Aprendi muito com ele. No futsal, Paulo Mussalém, Ricardo Lucena. Quanto à filosofia preferida, sempre voltada para a posse de bola e o ataque. Um jogo sempre propositivo, nunca reativo.
DB: Na base, especificamente no Flamengo, o que é feito para termos de volta o “clássico camisa 10”?
ML: Não é bem o camisa 10, mas sim a parte técnica. Sempre em busca de jogadores de qualidade. É o que priorizamos lá em baixo nas avaliações. Descobrir e observar o talento técnico. Isso, para nós, é fundamental. Esse é o caminho para encontrar o 8, o 9, 0 11, ou seja, jogadores talentosos.
DB: Você já trabalhou no setor de captação de novos jogadores para o Flamengo. Como foi a experiência?
ML: A época de captação foi um período de muito aprendizado. É necessário um olhar muito atento, pois são muitas variantes na hora da avaliação de um menino. A emocional é muito forte, por se tratar de querer ser jogador do Flamengo, e isso às vezes isso pode atrapalhar. Eu gostava muito, mesmo sendo pouco valorizado. A gente tentava filtrar ao máximo para os treinadores terem mais tempo para trabalhar suas equipes. Foi muito gratificante.
DB: A gente imagina que depois da tragédia no Ninho do Urubu, os parâmetros de qualidade e rotina de todo clube de futebol deve ter mudado, principalmente na sua função. O que de mais relevante você viu após o incêndio no CT rubro-negro?
ML: Essa questão da tragédia… O módulo do profissional já estava pronto e já haviam deixado o que hoje serve a base (e que ficaria para a base). Na semana seguinte todo o mundo seria deslocado para lá, que fica nos fundos do CT. Logo após acontecer a fatalidade já passamos para outra realidade, com um zelo muito grande e fácil adaptação.
DB: A transição do futsal para o campo é um caminho que forma talentos diferenciados. Tem alguém que já chama a sua atenção? Tem algum vídeo disponível na internet?
ML: Nosso trabalho é esse. O garoto entra com seis anos no futsal e fica lá até os 13. Esse jogador lapidado no futsal treina algumas vezes no campo até os 12 anos. A partir daí só futebol de campo. Nessa faixa etária todos jogam as duas modalidades. Cada categoria tem os seus destaques, uns quatro, cinco jogadores em cada equipe, mas não convêm citá-los. Sobre vídeo sinceramente não sei.
DB: E o contrário: o clube reaproveita jogador de destaque na quadra que não deu certo no campo?
ML: Não existe este reaproveitamento porque o clube não oferece estas categorias no futsal. O máximo é sub-13.
DB: Cada vez mais técnicos das categorias de base pelo país estão recebendo oportunidades em equipes profissionais. No seu entendimento, a que se deve isso? Aproveitando o ensejo, todo treinador deveria passar pelas categorias de base antes de treinar o profissional?
ML: É uma situação sazonal, uma mania que temos aqui no Brasil. Vários clubes fizeram isso. Agora a moda é técnico estrangeiro. Eu vejo isso como importante, porque essa garotada que vem da base vem com vontade de trabalhar, de dar algo novo ao futebol, de estudar, mas os que já estão, que já fizeram muito, também podem contribuir para a evolução do futebol.
DB: Atualmente a CBF promove Brasileiro e Copa do Brasil das categorias sub-17 e sub-20, mas alguns clubes ainda insistem que a formação dos atletas (e do cidadão, num contexto mais amplo) é mais importante que um título conquistado. Você concorda?
ML: É uma polêmica que existe. Uma coisa está ligada à outra, uma coisa não impede a outra. Você pode ter o seu planejamento, o seu direcionamento, e as competições, quando você entrar, um dos focos é a conquista do título. O outro foco é formar esse atleta, prepará-lo, dar experiência. Se ganhar não fizesse parte ninguém ficaria tão estressado quando perdesse um jogo. Quem perde apela mais para a formação; quem ganha, comemora.
DB: Como o Flamengo é um clube gigantesco existem escolinhas, olheiros e observadores por todo o Brasil. Existem peneiras? Como são realizadas? O que conta para a escolha de um futuro atleta?
ML: A escolinha do Flamengo na verdade é uma franquia que tem no Brasil inteiro, assim como nossos olheiros. Aqui, no Rio, nós temos nossa semana de avaliação, que acontece no CEFAN, de segunda à sexta. Cada categoria em uma semana diferente. Se o atleta for aprovado, ele é encaminhado para o Ninho do Urubu. Se ele for de fora, a família é contactada. Se ele for mais de 14 anos, o clube aloja. Se tiver menos, vê junto com a família se ela deseja acompanhá-lo.
DB: Seguindo esta mesma linha, muitos atletas selecionados devem vir de lugares distantes do Rio de Janeiro, haja vista o ocorrido na tragédia. Como o clube age para que a saudade de casa não interfira no rendimento desses jogadores?
ML: Como eu disse, menos de 13 tem que vir a família junto e fixar residência aqui no Rio. Maior, o clube aloja e dá todo o respaldo através da assistência da equipe multidisciplinar (psicólogos, assistentes sociais, pedagogos, monitores) para que ele possa ter tranquilidade para focar unicamente na sua evolução técnica.
DB: Você é favorável que os Estaduais de base tenham o maior número possível de inscritos ou defende a ideia de divisões já desde as categorias inferiores ao profissional?
ML: Eu defendo que ele tenha o maior número de inscritos, porém por divisões, para que se possa premiar aqueles que fazem um trabalho sério.
DB: Num país desigual como o nosso, muitos meninos sonham com o estrelato através do futebol, mas poucos sabem das dificuldades que é vencer neste esporte. Manda um recado pra galera que ainda está buscando uma oportunidade de mostrar seu talento em alguma das peneiras espalhadas pelo Brasil.
ML: Hoje o futebol é um sonho para essa molecada, por tudo que se passa na televisão. Só que a realidade é dura, de muito sofrimento, de estar sempre correndo atrás. Que cada um busque o seu sonho, mas sempre com a ideia de que aquilo possa não acontecer, e ter um plano B, que é o estudo, para você ter uma margem de segurança caso a coisa não aconteça como previsto. É uma caminhada difícil!