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Convocada para a seleção, Luiza usa poder de influência para inspirar meninas e desenvolver projeto social

Luiza Travassos é pura inspiração. Aos 16 anos de idade, a carioca acumula experiências e responsabilidades de gente grande, as quais conduz com tranquilidade e apoio da família. Figura constante nas convocações da seleção brasileira sub-17,a volante do Fluminense usa de seu poder de influência para inspirar meninas e colaborar com a formação de novas atletas.

Luiza é uma das promessas do futebol feminino brasileiro. Foto: Lucas Merçon/ FFC

Sua vida fora do campo é tão movimentada quanto a de uma volante que precisa marcar, armar as jogadas e chegar à área adversária para concluir. Uma das causas na qual ela se engaja é o projeto social Uma Bola Causa, que começou em 2017 graças à sua luta pelo futebol feminino.

Luiza participou do programa Criança Esperança, da Rede Globo, em parceria com a UNESCO, levando a causa da mulher no futebol. Dessa forma, a atleta fez seus contatos e iniciou o projeto destinado às crianças do Alemão, comunidade do Rio de Janeiro. Ela explicou os objetivos da iniciativa em entrevista exclusiva ao DaBase.com.br.

“Havia um projeto de Natal arrecadando presentes e quis ajudar doando bolas de futebol, pois foi o objeto que transformou a minha vida. Daí veio o nome, Uma Bola Causa. Divulguei sobre a arrecadação nas minhas redes sociais e o primeiro ano foi um sucesso. Percebemos que era muito legal levar o esporte e a felicidade às crianças. Então, passamos a doar não só bolas, mas também fazer workshops, palestras e brincadeiras, pois o objetivo é levar o esporte como transformação social, abrir portas e dar felicidade”, disse.

Paralelamente, Luiza influenciava as meninas não só do Alemão, mas também de todo o mundo. Ela criou uma página nas redes sociais para mostrar o seu dia a dia, a rotina de treinos e as dificuldades que enfrentava na carreira de uma jovem atleta.

A visibilidade de seus relatos levou a jovem a uma lista que nem mesmo ela imaginava. Luiza foi eleita pela britânica BBC uma das 100 mulheres mais influentes do mundo na categoria #TeamPlay – Sexismo no esporte. A volante tricolor conta que recebeu a notícia com surpresa e que quer inspirar as jovens cada vez mais.

“Foi uma surpresa, pois, para mim, fazia o mínimo. Divulgando minha vida de atleta, percebi que estava inspirando outras pessoas. O poder de influência é surpreendente! Procuro contribuir através do que já faço, mostrar minha vida para as outras meninas. Quando era amais nova, tive uma professora que já havia jogado, foi uma baita inspiração. Poder unir as meninas e fazê-las acreditarem em si é muito bacana”

Além do projeto social e das redes sociais, Luiza tem outra forma de levar suas experiências e inspirar futuras atletas. Ela participa de palestras e seminários, onde fala sobre sua história e como cada jovem pode superar as dificuldades que a mulher vive não só no esporte, mas também na sociedade. Essa aptidão, segundo a jogadora, vem da infância.

“Minha mãe sempre me incentivou a ler, sempre gostei muito. A leitura agrega para todos. Sempre gostei também de ver jornalistas falando de futebol na TV, ouvir as opiniões, o debate. Então leitura e discussão me deram essa aptidão para escrever e falar com o público”, destacou.

Luiza recebeu o prêmio Prudential pelo trabalho voluntário com o projeto Uma Bola Causa. Foto: Reprodução/ Instagram

Trajetória

Para acumular tantas experiências com apenas 16 anos, Luiza começou a enfrentar os obstáculos do futebol feminino cedo. Colecionado figurinhas no álbum da Copa do Mundo, ela passou a conhecer e assistir o esporte praticado pelos homens. Até que apenas ver não se tornou suficiente.

Aos nove anos, a jovem precisou lutar para que a escola onde estudava desse espaço para o futebol feminino, já que existiam apenas times masculinos. Ela também jogou futebol na praia, com meninas até dez anos mais velhas, até ser a única garota a ingressas na escolinha do PSG Academy, ligada ao clube francês.

“Foi trabalhoso, mas vi meus sonhos se tornaram realidade. Quando comecei a gostar de figurinhas, assistia os homens jogando e não acreditava que poderia estar ali, na seleção, ou no Fluminense, meu time de coração. É muito legal ver que tudo isso aconteceu e tão rápido. Ainda tenho  muitos sonhos que quero conquistar, porém saber que eu cheguei até aqui é muito bom e motivador”

Para ela, o amor ao futebol se explica por três pontos. “O futebol ensina muita coisa. Como jogo desde pequena, aprendi a me relacionar, focar, ter determinação fora de campo, pois ele é interdisciplinar. Tem também a paixão, a emoção de fazer um gol, representar pessoas, pertencer a um time, torcendo ou jogando. E o sentimento de estar em campo, você pode estar exausta, mas continua correndo, pois é isso que você quer, ama e se sente bem”, apontou.

Mas para ter esse “direito” de fazer o que ama, Luiza conta com o sacrifício de muitas pioneiras na modalidade e o próprio esforço da vida de uma atleta que, diferentemente dos homens, não tem a mesma estrutura, verba e estabilidade para desenvolver seu talento. A volante ressalta a luta por mais igualdade e a dedicação fora de campo.

“Tive oportunidade de pegar a base com mais estrutura. Antes, com 15 anos, as meninas já eram profissionais e pulavam uma etapa importante. Tem muita coisa para melhorar, mas estamos evoluindo e temos que lutar por isso. Nossa vida é de dedicação, comprometimento e reivindicação, temos que abrir mão de algumas coisas”, falou.

“O masculino tem mais visibilidade, com 14 anos o menino já tem contrato, recebe mais, fica famoso. O feminino é amor, não fazemos nada por dinheiro. Mesmo quando não tem ninguém assistindo, estamos lá. É diferente, mas é normal ser diferente, pois o futebol feminino foi proibido no Brasil por muito tempo. Um dia estaremos próximas do masculino”, acrescentou a jovem.

Outro sacrifício que muitas meninas fazem quando começam a joar futebol é ouvir palavras preconceituosas. Luiza diz que não chegou a sofrer muito preconceito, mas teve que ouvir muios comentários desagradáveis. Desde o “tem certeza que você joga futebol e não vôlei” até a cobrança sobe seus adversários do sexo masculino quanto às disputas com as meninas, como ela relata.

“Joguei um campeonato pelo PSG Academy que só tinha eu e uma amiga de menina contra um time só de meninos. Ela dividiu uma bola e o técnico adversário gritou ‘não pode perder para uma menina’. Se fosse hoje, eu continuaria, mas naquele dia eu parei e respondi: ‘Por que não pode perder para uma menina?’. Os meninos do meu time me apoiaram, a torcida começou a chamar ele de machista, deu uma confusão”

“Por mias que o menino seja mais forte naquela idade de 12 13 anos, não é algo a se falar. Depois do jogo, os meninos do outro time me pediram desculpas e vi como o preconceito está mais no passado. A nova geração está vendo as mulheres em campo com normalidade”, completou a jogadora.

Luiza é presença constante nas seleções de base. Foto: Reprodução/ Instagram

Seleção, Fluminense e futebol feminino de base

Desde 2016 no Fluminense, seu time de coração, a volante Luiza também defende a seleção brasileira. Na semana passada, ela foi convocada pela técnica Simone Jatobá para um período de treinos na Granja Comary visando o Sul Americano sub-17, previsto para ser disputado em novembro, no Uruguai.

Depois de começar como zagueira no futebol de 7, ela se transformou em volante no campo e se apresenta como uma jogadora de boa marcação, que sabe ler o jogo e fazer a transição da defesa para o ataque com bons passes.  Quem confirma essas qualidade e ressalta a liderança da atleta fora de campo é Isaías Rodrigues, técnico do sub-18 do Fluminense.

“A Luiza exerce uma liderança muito forte no nosso grupo. Ela se dá bem com as outas atletas, é referência para as mais novas e é muito ativa, tanto em campo quanto nas atividades que estamos tendo durante a pandemia. É uma líder nata, comprometida, veste a camisa como se cada jogo fosse o último da vida dela”, disse o treinador.

Como inspiração, ela cita mulheres e homens, todos da sua posição, além de quem sempre a apoiou fora das quatro linhas. “A maior inspiração é minha mãe, aprendo muito e me motiva a ser como ela. Em campo, me inspiro em jogadores da posição, Gosto muito da Thaísa, que passei a acompanhar depois da última Copa do Mundo, e da Formiga, por tudo que ela conquistou e pela condição  física. No masculino, gosto do Busquets, Marquinhos e Casemiro”, contou.

Entre treinos e estudo, a volante confessa que o momento de pandemia vem sendo uma oportunidade de ficar mais em casa. Mas ela mantém a rotina de treinos supervisionados pelo Fluminense, nos quais a motivação e o autoconhecimento, segundo Luiza, são os principais desafios.

Mas a jovem já tem data para voltar aos gramados. A CBF anunciou no fim de julho o calendário atualizado das competições de base femininas, incluindo o Brasileirão das categorias sub-16, previsto para outubro, e sub-18, marcado para janeiro de 2021. A tricolor se mostrou animada com a volta das competições e valorizou a importância da base no futebol feminino, indicando uma evolução da modalidade no país.

“Foi uma notícia muito boa, não estava tão esperançosa sobre jogar neste ano. Isso motiva, saber que tem um título em jogo logo ali em outubro, saber que o futebol de base não está de lado”, celebrou.

“As mudanças no futebol feminino brasileiro começaram com a obrigatoriedade de ter times profissionais e de base. Não adianta ter o principal e não ter a formação. Na base, aprendemos a perder, lidar com as adversidades e jogar em alto rendimento. Não basta só investir , tem que ter competições, e isso tem crescido  no calendário. Patrocínio também é muito importante para o clube investir a médio e longo prazo”

Fluminense, Seleção, Europa…? Luiza alia os sonhos de alcançar uma carreira internacional ao estudo e a vida fora de campo. Afinal, viver de futebol feminino no Brasil ainda é um sonho que, se depender dela, será uma realidade para as futuras gerações.

“Quero ganhar um título pelo Fluminense, ser uma jogadora internacionalmente reconhecida, continuar sendo convocada pela seleção e jogar as Olimpíadas e a Copa do Mundo. Fora do futebol, quero fazer uma faculdade, conciliar a carreira com os estudos. E continuar contribuindo no extracampo, para levar o esporte aos jovens como transformador social, mudar a vida de crianças através do futebol e lutar contra o sexismo. Quero fazer a diferença no futuro”, concluiu.

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