Conheça o audacioso projeto do Galvez, clube de sucesso na região Norte comandado por um coronel

O ranking criado em 2016 pelo DaBase veio para mostrar que há muitas agremiações no Brasil que fazem trabalhos digno de aplausos nas categorias de formação. Uma delas é o Galvez-AC, melhor clube da Região Norte desde a primeira divulgação da lista, que hoje conta com 370 associações com ao menos um ponto.

Um dos responsáveis pelo sucesso do Imperador é o Cel. Edener Franco da Silva, de 48 anos. No Galvez, ele contribuiu na criação do clube em 2011, de forma indireta, pois todos os policiais militares acabaram por participar. A partir de 2012, assumiu a função de gestor direto do clube, haja vista que o presidente, Cel. Anastácio, era comandante geral da Polícia Militar e não tinha tempo para tal. Em 2017, se capacitou no curso de gestão de futebol da Confederação Brasileira de Futebol – CBF. Com a mudança do estatuto em 2018, foi eleito e assume a presidência do clube para o quadriênio 2018-2022.

Cel. Edener Franco da Silva está à frente do Galvez e conta história do clube ao DaBase.com.br (Foto: Arquivo Pessoal)

Confira a conversa na íntegra entre o DaBase e o Cel Edener, que falou sobre o nascimento, o momento atual e o futuro da agremiação do Acre.

DaBase: Pouca gente sabe como se deu o surgimento do clube. Então explica como foi este processo e a escolha do nome. Houve uma alteração no estatuto, em 2018. Por quê?
Cel. Edener Franco da Silva: A Polícia Militar sempre incentivou a prática do futebol desde o seu surgimento no Estado do Acre em 1974, seja entre seus membros, seja com a sociedade civil. Inclusive criando vários times e competindo nas competições em todo o Estado, porém sempre de forma amadora, inclusive com vários militares de hoje sendo grandes ídolos nos clubes acreanos em tempos de outrora. Daí, surge, em 09 de fevereiro de 2011, o Galvez Esporte Clube – GEC, que tinha o objetivo de difundir e aperfeiçoar a prática e o desenvolvimento dos desportos comunitários, além da prática de futebol de modo profissional, nos moldes da legislação vigente, onde tinha como presidente, o Comandante Geral da PM, e membros da diretoria e atletas, todos policiais militares.

Galvez tem as mesmas cores do Acre

Foi fundado pelo Ex-Comandante Geral da PM, Cel PM José dos Resis Anastácio, juntamente com outros oficiais que faziam seu estafe, onde buscaram algo que pudesse unir, humanizar, transformar e integrar os componentes da instituição e a sociedade. Que compete profissionalmente desde 2011 até os dias atuais em todas as competições organizadas pela Federação Acreana de Futebol, sempre permanecendo entre os melhores do Estado, competindo tanto a nível estadual como nacional. Tem como cores as mesmas do Acre, verde, amarelo e vermelho, e apelido “Imperador”, alusivo ao possível império do explorador espanhol Galvez que declarou o Estado Independente do Acre durante a revolução acreana. Quando da escolha do nome, buscaram um que simbolizasse a verdadeira historia de luta do povo acreano, sendo escolhido um dos primeiros heróis acreano, Luis Galvez Rodríguez de Arias (San Fernando, 1864 — Madrid, 1935), jornalista, diplomata e aventureiro espanhol que proclamou a República do Acre em 1899.
Com relação à mudança era porque no estatuto original o presidente do clube era obrigatoriamente o comandante geral da PMAC, porém vimos que isso com o tempo iria ficar inviável pois era ilegal tal obrigação a uma pessoa que nem voluntária era e era imposta, além de termos outros cargos que deveriam ser exercidos por militar, logo mudamos e retiramos essas obrigatoriedade e assim abrimos para qualquer pessoa que tivesse interesse e competência para assumir, independentemente de ser militar ou não.

DB: Uma outra curiosidade é saber que o senhor acumula funções, tendo uma dupla jornada. Como lida com isso?
Edener: Sim. Além de presidente do Galvez, sou Tenente Coronel da PM, onde atualmente estou no comando do BOPE, porém como as funções de presidente são na sua maioria politica, temos uma equipe técnica que fica à frente e fico coordenando de longe quando não posso estar presente, e nas minhas folgas estou diretamente no clube.

DB: Outro dado desconhecido do grande público é que o Galvez começou somente com os profissionais. Como foi esta transição para chegar às categorias de base?
Edener: Iniciamos as categorias de base em 2015, onde a primeira experiência já foi excelente, pois nos sagramos campeões de todas as competições promovidas pela Federação Acreana de Futebol, Sub 15, Sub 17 e Sub-19, onde este último nos garantiu a única vaga do estado para principal competição do Brasil, a Copa São Paulo, que foi visto e transmitido para todo Brasil e exterior. A partir daí nos tornamos o time mais importante da Base do Estado do Acre, onde entre os anos de 2015 a 2019 a Federação Acreana de Futebol realizou 21 competições de Base entre as diversas categorias (Sub 11, 13, 15, 17 e 20), sendo que destas fomos campeões em 13 competições, o que simboliza 62%, vice-campeão em cinco (24%), e terceiro colocado nas outras três (14%), ou seja, estamos sempre entre as três principais equipes do Estado, independentemente da competição que façamos. Tais conquistas no Estado nos possibilitou participar em diversas competições nacionais, com ênfase a Copa São Paulo de Futebol Júnior, que em 2019 fizemos a melhor campanha de um clube acreano, chegando até a terceira fase, ficando entre as 32 melhores equipes do Brasil, o que nos propagou para todo o país, principalmente após o apoio da Sociedade Esportiva Palmeiras no translado de volta para o Acre em virtude da perda das passagens aéreas dos atletas e comissão técnica.

Categorias de base no Galvez começaram a funcionar em 2015 (Foto: Divulgação)

Isto tudo mostra o compromisso e o quanto valorizamos o trabalho as categorias de base, e ainda queremos fazer muito mais, contudo somente nosso clube não consegue e precisa de apoio de parceiros e amigos que possam contribuir com as crianças e adolescentes de tal projeto. Além do futebol, estamos trabalhando como outras modalidades esportivas, Handebol, Basquetebol e Atletismo, onde fomos campeões em várias competições e estamos buscando outras modalidades que também estaremos apoiando e mostrando a toda sociedade acreana que através do esporte vamos conseguir melhorar as condições sociais da nossa população.

DB: Em cinco anos com o trabalho na base são muitas as conquistas, deixando clubes tradicionais no Acre para trás. Qual a fórmula desse sucesso?
Edener: Muito trabalho e respeito a todos, adversários, familiares, profissionais e atletas, mas principalmente pelo apoio dos nossos apoiadores, já que sem eles não tínhamos condições. Entre estes gostaria de frisar o Supermercado Araújo, a cooperativa de crédito SICOOB ACRE e a Farmácia Verde Vida, entre muitos outros.

DB: Já há atletas que se destacaram na base do Galvez e que hoje estão em clubes da Série A do Campeonato Brasileiro de Profissionais?
Edener: Ainda não. Como o período é muito curto, temos apenas atletas da base que estão nos clubes profissionais locais e principalmente compondo nosso elenco.

DB: Como policial militar, imagino que o esporte sempre fez parte da sua vida. O que o Edener praticou quando mais novo e o que acompanha fora do futebol?
Edener: Sempre pratiquei esporte, com ênfase sempre no futebol, por isso entrei no projeto com todo amor e hoje me orgulho de sermos um dos clubes mais respeitados e em evolução no Acre. Também pratiquei outros esportes: atletismo, vôlei e handebol. Entretanto hoje, após duas cirurgias nos dois joelhos por rompimento dos ligamentos, estou apenas praticando corrida de rua, outra atividade que sempre gostei e pratiquei.

DB: Há alguma relação entre esporte e militarismo no clube, na formação dos atletas?
Edener: Sempre a gente carrega, principalmente em relação aos respeitos cívicos e familiares, e isso enquanto eu estiver no clube deve permanecer, pois acho isso a base de tudo para termos no futuro não apenas jogadores profissionais, mas sim cidadão decentes.

Edener Franco se divide entre o militarismo e o futebol (Foto: Divulgação)

DB: Em uma declaração recente, o senhor disse que vários jovens e crianças querem jogar no Galvez, pois cada vez mais gente aparece nas suas peneiras. A que se deve isso e, como é um número elevado, este processo de escolha é feito de que forma?
Edener: Isso é natural do ser humano, querer estar naquele local que tem campeões e poder também participar e se tornar um também. Além das projeções locais temos as nacionais, haja vista que nesses cinco anos já participamos de três Copas São Paulo, além de irmos participar das duas competições nacionais que o Estado tem direito, Sub-20 e Sub-17, logo querem ter essa oportunidade de jogar contra um grande clube do cenário nacional e talvez assim poderem ir para um grande clube do país.

DB: No futebol brasileiro muitos jogadores desistem de uma chance melhor na carreira ou até mesmo dela porque não estão preparados para conviver com a distância da família. Quando meninos saem do interior do Acre para Rio Branco, há algum suporte para evitar que isso aconteça?
Edener: Ainda não temos tal condição, até porque há uma exploração dos grandes clubes que querem o atleta sem nenhum vinculo e assim terem totais direitos econômicos sobre o atleta, mas espero poder fazer isso no futuro e principalmente transformar o Galvez no primeiro clube formador do Acre.

DB: Comparando com os profissionais, o senhor acredita que há diferença na metodologia empregada na hora de comandar os garotos da base?
Edener: Sempre há, até porque ainda não conseguimos colocar um padrão que vá desde o sub-11 ao profissional, sendo essa outro projeto para o futuro do Galvez. Este ano iniciamos um novo projeto com os novos treinadores da base junto com o do profissional, o que reduziu muito essa diferença e espero reduzir ainda mais no futuro.

DB: Atualmente a CBF promove Brasileiro e Copa do Brasil das categorias sub-17 e sub-20, mas alguns clubes ainda insistem que a formação dos atletas (e do cidadão, num contexto mais amplo) é mais importante que um título conquistado. O senhor está de acordo?
Edener: Concordo plenamente. O grande problema é termos condições de fazer isso sem recurso e motivando os bons jogadores a permanecerem no clube. Acho que temos que está casando as duas coisas, mas sempre com a ênfase na formação do cidadão.

DB: Aliás, o Galvez tem participado com certa frequência de competições nacionais de renome, como Copa do Brasil e Copa São Paulo de Futebol Júnior. Dá para mensurar o que isso traz de retorno, seja financeiro, esportivo ou de mídia?
Edener: Financeiramente não dá retorno, pelo contrário, pois em virtude da distância do Acre para os grandes centros e por termos as passagens aéreas mais caras do Brasil nos gera grandes problemas, principalmente a Copa SP, por ser em janeiro, período de alta temporada onde os preços das passagens estão um absurdo e sempre é uma guerra que enfrentamos.

DB: O estado do Acre é um dos mais novos do Brasil, criado em 1962, e o terceiro menos povoado. A era profissional do futebol começou apenas em 1989. Assim carece de estádios e de investimento do poder público. Qual a situação atual dos campeonatos de base no estado? Apesar de a Federação promover anualmente os estaduais de base, é fácil encontrar interessados em participar? É uma vontade em comum que haja aumento no número de participantes? É possível torná-lo mais extenso?
Edener: A era profissional só começou em 1989, contudo antes disso já tínhamos um futebol forte e competitivo, mesmo sendo amador, sendo que para alguns saudosistas do Estado até piorou, porém isso não é verdade, claro que com o profissionalismo muitas coisas evoluíram. Contudo o problema está em alguns dirigentes que continuaram amadores e suas equipes também.  Não carecemos de estádios, temos três excelentes, dois na capital e um no interior, em Cruzeiro do Sul, segunda maior população do Estado, sendo que tais estádios, Arena Acreana, Florestão e Arena Juruá, têm excelentes estruturas e são muito elogiadas pelos clubes que vem participar de competições no Estado.
Sempre temos equipes participando das competições estaduais, onde, para motivar ainda mais, a Federação libera para além dos clube profissionais, para as escolinhas e equipes amadoras interessadas, contudo ainda são poucas e com competições com pouco período, temos categorias em que a competição é apenas um mês, ou seja, passamos mais tempo treinando do que competindo, isso é prejudicial para a evolução do atleta e da equipe. Contudo esbarramos na situação financeira. Ideal, e todos sonham, é que tenhamos mais equipes, contudo precisaríamos de apoio externo, principalmente estatal, pois fazemos um trabalho social importantíssimo para minimizar os impactos da violência e das drogas.

DB: No Ranking DaBase, o Galvez é o melhor da Região Norte, à frente de outros 68 clubes, entre eles os do Pará, melhor Estado no Ranking de Federações da Confederação Brasileira de Futebol. Qual a sensação de ser o 22º colocado entre todas as agremiações do Brasil? Dá para almejar terminar 2020 entre os vinte primeiros?

Galvez é líder do Ranking DaBase na região Norte (Foto: Divulgação)

Edener: É muito gratificante e prazeroso, ao mesmo tempo nos traz cada vez mais responsabilidades, pois todos já vêm para as competições pensando em superar o Galvez, já que consideram o mais forte e quando vencem fazem uma grande festa. Às vezes um simples jogo parece um titulo para os adversários. Esperamos também que haja um investimento e interesse maior dos demais clubes pelas categorias de base, pois são poucos os que investem e acabando por nos tornar uma hegemonia no Estado por falta de equipes competitivas. Só como exemplo, em 2019 fomos campeões do sub-11 vencendo todos os adversários por goleada. Com certeza almejamos um 2020 excelente, onde já vínhamos treinando o sub-20 e o sub-17 preparando para o Estadual e a Copa do Brasil e tivemos que parar com todas as atividades em virtude da pandemia do coronavírus. Entretanto continuamos com nosso projeto ambicioso e na expectativa da liberação para a volta da prática esportiva e conseguirmos nossos objetivos para 2020: estar em todas as finais das competições que participamos, e no mínimo repetir o feito do ano passado onde vencemos três das cinco.

DB: Num país desigual como o nosso, muitos meninos sonham com o estrelato através do futebol, mas poucos sabem das dificuldades que é vencer neste esporte. Manda um recado pra galera que ainda está buscando uma oportunidade de mostrar seu talento em alguma das peneiras ou escolinhas espalhadas pelo Brasil.
Edener: Manter o sonho é importante e este é exequível, porém, depende primeiramente do dom que Deus lhe deu, segundo, de muito trabalho, respeito e foco no seu objetivo e cumprir o que os treinadores lhe passarão, e por último, estar preparado para as dificuldades e tentações negativas que virão da profissão, pois uma grande porcentagem dos jovens tem o dom, contudo param no meio do caminho, pois não querem trabalho e não estão preparados para as dificuldades advindas e que não são poucas.

 

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